Cuando yo muera, no le digas a nadie que fue por ti.
Cubre mi cuerpo frío con una de esas sábanas
que colmábamos de besos cuando los relojes del mundo 
marcaban otras horas y aún no había quien supiera
de nosotros; y luego llévalo junto al mar, donde pueda
ser sólo un poema más, como aquellos que yo escribía
apenas la madrugada se apoyaba en las ventanas
temiendo acostarme sólo con tu sombra. Luego deja

que en mis brazos se posen las aves (que, como yo,
traen entre las plumas la saudade de un verano cargado
de pasiones). Y planta a mi alrededor una sarta de rosas
blancas que llamen a las abejas, y una hilera de árboles
que perforen la noche; porque la muerte debe ser clara
como la sal en la cresta de las olas, y la ceguera siempre
me ha asustado (ya me cegué de amor, pero no le cuentes
a nadie que fue por ti). Cuando muera, déjame

mirando el mar desde lo alto de un peñasco, y no llores ni
roces con tus labios mi boca fría. Prométeme
que rasgarás mis versos en pedazos tan pequeños
como lo pequeños que siempre fueron mis odios; y que después
los lanzarás en la soledad de un archipiélago y te irás sin mirar
atrás ni una vez: para que si alguien lo ve de lejos brillando
en la polvareda, imagine que son flores desvestidas por el viento, estrellas
que se han escapado de las tinieblas, gotas de luz, lágrimas de sol,
o plumas de un ángel que ha perdido las alas por amor.

 

Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema – como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudade de um verão carregado
de paixões). E planta à mina volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite – porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me

a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

[O canto do vento nos ciprestes, 2001]

 

 

Menos mal 
que no morí de todas las veces que
quise morir; que no salté del puente,
ni cubrí las muñecas de sangre, ni
me acosté en los rieles, allá lejos. Menos mal

que no até la cuerda a la viga del techo, ni
compré en la farmacia, con una receta falsa,
una dosis de sueño eterno. Menos mal

que tuve miedo: de los cuchillos, de las alturas, pero
sobre todo de no morir completamente
y quedarme por ahí, aún más perdida que
antes, mirando sin ver. Menos mal

que el techo fue siempre demasiado alto y
yo ridículamente pequeña para la muerte.

Si yo hubiera muerto de uno de esos momentos,
no oiría ahora tu voz, que me llama
mientras escribo este poema, que acaso
no parece, pero es, un poema de amor.

 

Ainda bem
que não morri de todas as vezes que
quis morrer – que não saltei da ponte,
nem enchi os pulsos de sangue, nem
me deitei à linha, lá longe. Ainda bem

que não atei a corda à viga do tecto, nem
comprei na farmácia, com receita fingida,
uma dose de sono eterno. Ainda bem

que tive medo: das facas, das alturas, mas
sobretudo de não morrer completamente
e ficar para aí – ainda mais perdida do que
antes – a olhar sem ver. Ainda bem

que o tecto foi sempre demasiado alto e
eu ridiculamente pequena para a morte.

Se tivesse morrido de uma dessas vezes,
não ouviria agora a tua voz a chamar-me,
enquanto escrevo este poema, que pode
não parecer – mas é – um poema de amor.

[A ideia do fim, 2012]

 

 

Esta mañana encontré tu nombre en mis sueños
y tu perfume transpirando en mi piel. Y el cuerpo
me dolió en donde antes tus dedos fueron aves
de verano y tu boca dejó un rastro de canciones.

En el abrigo de la noche, supiste ser el viento de mi
suéter; y yo me lo quité para ti, dándote un corazón
que era el resto de la vida: como un pez respira
en la red más exhausta. Ni siquiera a la despedida

fueron contundentes los gestos: todo lo que proviene de ti
es un poema. Sin embargo, al despertar, la soledad surcó
un valle en los cobertores y mi cuerpo era de nuevo
un sendero abandonado en el paisaje. Me senté en la cama

y repetí tu nombre despacio, el nombre de mis sueños;
pero las sílabas caían al final de las palabras, el dolor agota
las fuerzas, son frías las aldabas en las puertas de la mañana.

 

Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida – como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida

foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama

e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos;
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.

[O canto do vento nos ciprestes, 2001]

 

 

Lee, éstos son los nombres de las cosas que
dejaste: yo, libros, tu perfume
esparcido por el cuarto; sueños a
medias y dolor al doble, besos por
todo el cuerpo como cortes profundos
que nunca van a sanar; y libros, saudade,
la llave de una casa que nunca fue
nuestra, una bata de franela azul que
tengo puesta mientras hago esta lista:

libros, risas que no logro ordenar,
y rabia; un florero de orquídeas que
amabas tanto sin yo saber por qué y
que quizá por eso no volví a regar; y
libros, la cama deshecha por tantos días,

una carta sobre tu almohada y tanto
disgusto, tanta soledad; y en un cajón
dos boletas para una película de amor que
no viste conmigo, y más libros, y también
una camisa desteñida con la que duermo
de noche para estar más cerca de ti; y, por

todos lados, libros, tantos libros, tantas
palabras que nunca me dijiste antes de la
carta que escribiste esa mañana, y yo,
yo que aún creo que vas a regresar, que
regresas, aunque sea sólo por tus libros.

 

Lê, são estes os nomes das coisas que
deixaste – eu, livros, o teu perfume
espalhado pelo quarto; sonhos pela
metade e dor em dobro, beijos por
todo o corpo como cortes profundos
que nunca vão sarar; e livros, saudade,
a chave de uma casa que nunca foi a
nossa, um roupão de flanela azul que
tenho vestido enquanto faço esta lista:

livros, risos que não consigo arrumar,
e raiva – um vaso de orquídeas
que amavas tanto sem eu saber porquê e
que talvez por isso não voltei a regar; e
livros, a cama desfeita por tantos dias,

uma carta sobre a tua almofada e tanto
desgosto, tanta solidão; e numa gaveta
dois bilhetes para um filme de amor que
não viste comigo, e mais livros, e também
uma camisa desbotada com que durmo
de noite para estar mais perto de ti; e por

todo o lado, livros, tantos livros, tantas
palavras que nunca me disseste antes da
carta que escreveste nessa manhã, e eu,
eu que ainda acredito que vais voltar, que
voltas, mesmo que seja só pelos teus livros.

[Nenhum nome depois, 2004]

 

 

Mi padre me llamó y me pidió que eligiera
una juguete, sólo uno, que me gustara mucho; y
que separara otro juguete para Aylan, que
todavía no sabía elegir; pero sólo uno, y tenía que
ser pequeño. Mi padre me explicó que esa

noche haría de todo casi nada en un bulto
ligero; porque así, después de que Aylan y yo
nos durmiéramos, él y mi madre podrían llevarnos
en brazos y no quedarse atrás. Había lágrimas en los ojos

de mi padre cuando contó que, a la mañana siguiente,
tendríamos que dejar nuestra tierra; pero pronto se
recompuso, diciendo que Kobanî ya no era del todo
nuestra tierra, que nuestra casa era la ruina de

nuestra casa, que toda Siria no era más que un tímpano
exhausto de tanto estruendo y dos ojos cansados,
pero tan cansados, de llamas y sangre. Mi padre

creía que Aylan era demasiado pequeño para
comprender y, por lo tanto, sólo le había dicho que
iríamos a dar un paseo en barco, que pasaríamos
el día en una playa y que, mientras yo y mi madre
nadábamos en el mar hasta quedar sin aliento, él
podía simplemente acostarse boca abajo en la arena,
como tanto le gustaba. Mi padre nunca nos mintió.

 

O meu pai chamou-me e pediu-me que escolhesse
um brinquedo – só um – de que gostasse muito; e
que separasse outro brinquedo para o Aylan, que
ainda não sabia escolher – mas só um, e tinha de
ser pequeno. O meu pai explicou-me que nessa

Noite ia fazer de tudo quase nada numa trouxa
leve; porque assim, quando o Aylan e eu caíssemos
de sono, ele e a minha mãe podiam levar-nos ao
colo sem ficarem para trás. Havia lágrimas nos olhos

do meu pai quando contou que, na manhã seguinte,
teríamos de deixar a nossa terra; mas logo se
recompôs, dizendo que Kobanî também já não era
bem a nossa terra, que a nossa casa era a ruína da

nossa casa, que toda a Síria não passava de um tímpano
exausto de tanto estrondo e dois olhos cansados,
mas tão cansados, de chamas e de sangue. O meu pai

achava que o Aylan era demasiado pequeno para
compreender e, por isso, dissera-lhe apenas que
iríamos dar um passeio de barco, que passaríamos
o dia numa praia e que, enquanto eu e a minha mãe
nadássemos no mar até ficarmos sem fôlego, ele
podia simplesmente deitar-se de bruços na areia,
como tanto gostava. O meu pai nunca nos mentiu.

[A social poesia, inédito]

 

 

 

Agradecemos a Diego Cepeda, editor de Ediciones Vestigio, quien nos permitió publicar esta selección de poemas. Tomado de Y amores imperfectos, traducción de Nicolás Barbosa y Pedro Rapoula (Ediciones Vestigio; 2018).